Instituto Nise da Silveira expõe inéditas de Nelson Sargento

Dos quinze quadros do sambista, que morreu de covid-19, seis são inéditos e foram pintados aos 96 anos

Instituto Nise da Silveira expõe inéditas de Nelson Sargento

O Instituto Municipal Nise da Silveira abre na próxima segunda-feira (26) a ocupação cultural Arte, agoniza mas não morre: Nelson Sargento, 9.7, que apresenta ao público quinze quadros do sambista, dos quais seis são inéditos. O curador Marcelo Valle, coordenador do Espaço Travessia, que reúne os antigos quartos de internação transformados em pequenas galerias de arte, disse que o nome da mostra faz um trocadilho com o verso da música de Sargento, que diz ‘Samba, agoniza mas não morre’.

A mostra nasceu de um encontro com Nelson Sargento, em que o compositor e artista mencionou que queria fazer uma última exposição. “Ele pintou os últimos seis quadros aos 96 anos”, destacou Valle. Nelson Sargento morreu no dia 27 de maio deste ano, vítima de covid-19. Ele completaria 97 anos no dia 25 deste mês, véspera da inauguração. O artista compôs mais de 400 músicas e ainda deixou acervo com 80 sambas inéditos, poesias, contos, desenhos, pinturas e textos eróticos. Além de compositor, era intérprete, poeta, escritor, pesquisador, ator e radialista.

“Normalmente eu faço as músicas pintando. Enquanto estou emassando a parede, vem uma inspiração, aproveito”, disse Nelson Sargento em 1976, ao Fantástico.

A obra de Nelson Sargento se baseia em suas experiências pessoais. As pinturas, que transitam entre a arte abstrata e a naïf (produção de artistas autodidatas), traçavam um retrato colorido de cenas das favelas cariocas, do samba e de mulheres, e também formas abstratas. Sargento começou sua produção artística quando ainda era pintor de paredes.

Troca
Marcelo Valle disse que a ideia foi juntar as obras de Nelson Sargento às de outros 20 artistas fora do eixo centro/zona sul, oriundos dos subúrbios da zona norte, da região metropolitana e da Baixada Fluminense. “É uma galera com outro olhar, um outro ponto de vista. São artistas muito bons. Tem negros, mulheres, trans. Tem toda uma pegada”, disse o curador. A escolha foi feita com base nas obras que de alguma maneira dialogam com a arte de Nelson Sargento, seja por questões de ancestralidade, negritude, samba, paisagem ou vivência nos subúrbios, favelas e periferia.

Valle destacou que o bairro do Engenho de Dentro, onde está situado o Instituto Nise da Silveira, faz limite com outros bairros da zona norte da capital fluminense e tem uma demanda de cultura muito grande. “E quem produz cultura não é visto”, observou. Marcelo Valle lembrou que a psiquiatra Nise da Silveira sempre trabalhou com arte para tratar seus pacientes.

Explicou que não se trata de uma exposição tradicional, mas uma ocupação, em que há troca entre os vários artistas plásticos presentes. “A ideia da ocupação é se apropriar do espaço de uma forma mais cuidadosa, do que ocorre em uma galeria de arte convencional, que tem uma preocupação mais comercial”. Um artista impulsiona o outro, explicou. O curador procura sempre misturar os artistas convidados com artistas que de alguma maneira têm relação com os espaços de cuidado da Rede de Saúde Mental. “Temos estudantes de arte, artistas autodidatas oriundos de diferentes lugares, artistas representados por galerias internacionais e artistas com sofrimento psíquico. Todos são artistas”, mencionou.

A curadoria das obras de Nelson Sargento para a ocupação foi feita pelo violonista Agenor de Oliveira, amigo e parceiro em diversos sambas.

Espaço Travessia
O Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde/EspaçoTravessia ocupa dois andares de enfermarias desativadas do antigo Hospital Psiquiátrico Pedro II, hoje Instituto Municipal Nise da Silveira. A proposta é ser um local de encontros, convívio, produção e divulgação de artistas, sobretudo dos subúrbios cariocas. Os profissionais que atuam nele são também promotores da saúde mental por meio de diferentes atividades artísticas e culturais, com espaço para exposições, ateliês, ensaios de dança e teatro.

“Entendemos arte e cultura, em seu sentido mais amplo, como ativadores ou catalisadores do potencial criativo de sujeitos que, muitas vezes, são ou foram anulados dentro das instituições psiquiátricas”, informou o coordenador do espaço. Observou que a arte é entendida como criação e processo de vida, fonte e motor de uma saúde que vai além da ausência de doenças, mas que envolve bem-estar social, físico e mental.

Desde 2017, o Espaço Travessia vem investindo em um programa experimental de residência artística e ateliês temporários para artistas locais do Rio de Janeiro e da região metropolitana, com enfoque nos subúrbios cariocas, e de outros estados, que desenvolvem projetos de artes plásticas, visuais e cênicas, bem como pesquisadores de diferentes áreas. O objetivo do Programa de Residência Artística Arte em Travessia é criar uma proximidade particular com os processos de produção artística e relações com a saúde mental.

Visitas
O instituto está situado na Rua Ramiro Magalhães, 521, no Engenho de Dentro, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. As visitas à ocupação cultural Arte, agoniza mas não morre: Nelson Sargento, 9.7, devem ser agendadas pelo e-mail ou pelo celular (21) 98909-1123 e obedecerão a protocolos de segurança. O horário de visita é de 10h a 17h, de segunda a sexta-feira, até o dia 31 de julho.

Por Ultima Hora em 23/07/2021
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