Assine nossa newsletter e fique por dentro de tudo que rola na sua região.
Mas o verdadeiro marco visual e emocional está naquela fotografia tirada no coração da Estrada Parque Taguatinga (DF-085), quando a EPTG ainda era emoldurada por fileiras de eucaliptos que balançavam como testemunhas silenciosas de um tempo em trânsito. Foi ali, no meio do canteiro central, que os Magrelos do Guará 1 marcharam lado a lado rumo a um show na Rampa da Cidade — e para a história. A imagem, hoje desbotada como se o tempo tivesse tentado apagá-la em vão, capturou os cinco em formação quase cerimonial, como se estivessem atravessando uma fronteira invisível entre o anonimato e a lenda.
Meio hippies retardatários, filhos do hard rock, mas com o coração pulsando em sintonia com a rebeldia punk — ainda que mais por atitude do que por estética —, eles se diziam punks com a convicção de quem não precisava de rótulo. No centro do grupo, o mais jovem, cabelo longo ao vento, foi quem cravou a sentença que selaria o destino da imagem: “Essa foto é para a posteridade.” E foi. Não apenas porque três deles já partiram, mas porque a cena inteira parece ter sido esculpida para durar. Como se o tempo, por um segundo, tivesse parado para prestar atenção.
Daquele instante capturado, três já não estão mais entre nós. Restam lembranças, registros — e a música.
A faixa “Viciado”, gravada por eles mesmos, soa crua e urgente. Uma canção feita para ser ouvida com os pés sujos de terra e o peito suado de revolta. A guitarra estala, cortante, quase áspera, mas verdadeira. A bateria pulsa como um coração de concreto rachado. O vocal não é técnico, mas é sincero — como um desabafo na madrugada depois de um dia inteiro sobrevivendo ao tédio, ao sistema, e ao vazio urbano. A canção não pede licença: ela cospe na calçada. É rock de garagem, é punk de barranco. E é Brasília até o último acorde.
“Viciado” não fala só de uma dependência literal. É um grito de quem é viciado em viver fora da regra, em criar com o que tem, em desafiar a inércia. Um reflexo direto daqueles Magrelos que atravessavam avenidas de asfalto quente para cantar numa rampa sem holofotes.
A história deles não virou hit nas rádios. Não saiu em revista. Mas ficou cravada na memória das cidades-satélites, nos cadernos de letra rabiscada, nas guitarras enferrujadas que ainda dormem em armários de fundo.
E na posteridade, como previu o garoto de cabelo comprido, eles ficaram — como símbolo de uma geração que não pediu nada, mas fez tudo.
Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!