O bem é medroso; o mal, escandaloso

*Walter Felix Cardoso Junior

O bem é medroso; o mal, escandaloso

Judas não entendeu a proposta da Boa Nova de Jesus. Ele queria que o Cristo colocasse as legiões angélicas para liquidar sumariamente romanos e fariseus, para depois construírem o Reino de Deus na Terra.

Em sua concepção, Judas achava que Jesus era muito cuidadoso, teórico, puro de mais, e que precisava de uma “ajudinha política” sua para alcançar os objetivos. Judas tinha um plano e queria criar um “gatilho” para que Jesus “caísse na real”. Então, o apóstolo foi ao Sinédrio e vendeu Jesus para os sacerdotes, na expectativa de desencadear a “verdadeira revolução”; deu no que deu.

Durante a crucificação do Cristo, quando entendeu completamente o que havia feito, Judas não aguentou o remorso e se suicidou.

Passados mais de dois mil anos, a humanidade segue vagarosamente fazendo progressos éticos, aprendendo por acerto e erro, mercê da permanente luta entre o mal e o bem. Com essa ótica, quero abordar aspectos das eleições majoritárias brasileiras de outubro, sendo desanimador assistir a escalada da fricção na camadas sociais, seja no campo ou nas cidades.

Quem não estiver confuso com a divulgação da polarização e a disparidade entre pesquisas eleitorais e as manifestações nas ruas, não deve está bem informado, inclusive porque os principais candidatos se colocam como representantes exclusivos do bem, imputando ao grupo rival a feitura de todo o mal.

Nos deparamos, então, com um estranho paradoxo - se somos livres para votar, e protegidas pelo segredo, como é possível criaturas claramente corrompidas, completamente decantadas nos meios informativos, conseguirem se eleger?

Ora pois, necessário se faz entender que é possível dar aparência, estilo e "dignidade" às piores ações, especialmente quando os atores são brilhantes no verbo. A dissimulação é cada vez mais uma “arte” cobiçada pelos marketeiros das campanhas.

Outro dia, recebi uma mensagem com uma estimativa estarrecedora - cerca de 25% dos eleitores do candidato à presidência “A” e mais ou menos 25% de adeptos do oponente “B” gostariam que seus adversários políticos simplesmente morressem. Enfim, com base nessa radicalização, uma pergunta se destaca: Quem é, realmente, aos olhos da população, o candidato do bem e o do mal? Eu diria que isso tem a ver com a situação circunstancial de cada um, mas que a ideia de bem e de mal vive um intenso processo de relativização no coração das pessoas, com reflexos cruciais nas escolhas eleitorais.

Seriam os do bem aqueles mais discretos, humildes, respeitosos, mas medrosos diante do mal? A meu ver, apenas com a sua aparência, o bem não se sustenta e antes é preciso que avaliemos os seus frutos. E o que vem a ser o mal? Isentemos Deus logo de cara, pois o determinismo divino é o próprio bem. Então, eu suponho que sejamos nós os criadores do mal, especialmente quando confiamos mais em nossa própria sagacidade do que na Providência.

Uma interpretação interessante de mal e bem, disponível na obra de Chico Xavier - Obreiros da Vida Eterna, explicada pelo Ministro Sânzio, esclarece que: “o mal é aquela triste vocação do bem unicamente para nós mesmos a expressar-se no egoísmo e na vaidade, na insensatez e no orgulho”.

Algumas pessoas famosas já disseram no passado recente que os eleitores brasileiros são inocentes e que não sabem votar. Certo é que a história está cheia de péssimas escolhas eleitorais. Consequentemente, seria então necessário protegermos os eleitores de si mesmos? Até que ponto seria suportável uma decisão coletiva “catastrófica” na escolha do principal mandatário da Nação? Se é verdadeiro que a maioria dos eleitores ainda corre o risco de se atirar no abismo, não seria justo viabilizar, calculadamente, um modelo autocrata transitório para a redenção do País? Essa questão vem naturalmente à baila quando o povo ameaça capitular diante de uma propaganda enganosa e avassaladora, e sufraga o candidato mais perigoso para a manutenção dos interesses nacionais vitais.

Quando o inaceitável se elege, a legalidade jurídica pode ratificar o suicídio político e econômico de uma geração inteira. Difícil dizer, mas torna-se crucial saber se, e quando, os cidadãos mais responsáveis e comprometidos com o progresso pretendem “cingir a veste viril” e encarar esse problema de frente, assumindo as consequências.

Essa “pureza” dos eleitores é uma boa qualidade ou uma má? Cervantes, na obra Dom Quixote de la Mancha, grafou: “Sancho, todas essas tempestades que acontecem conosco são sinais de que em breve o tempo se acalmará e que coisas boas têm de acontecer; porque não é possível que o mal dure para sempre, e segue-se que, havendo o mal durado muito tempo, o bem deve estar por perto”. ESPERANÇA - esse é o sentimento. O que é bom para o todo, não pode ser mau para uma parte ao longo do tempo. Logo, vê-se que entre bem e mal, tudo acabará sendo bom.

Vivemos numa quadra histórica difícil e é racional pensar que não é boa mostra de saúde estarmos ajustados a uma sociedade profundamente “doente” como estamos. O mal é teatral e mais midiatizado do que o bem. Com tanta sedução midiática circulando, frequentemente ficamos mais próximos do mal do que do bem. Somos estranhos, volúveis e fugazes, ora queremos o mal, ora queremos o bem. Embora em campos opostos, bem e mal caminham muito próximos. Dependendo das circunstâncias, do bem se pode passar ao mal num piscar de olhos. A realidade ainda é rude nesta jovem república, onde os ricos desonestos facilmente se tornam parceiros de governantes corruptos, e onde ambos raramente são punidos e corrigidos. Na controvertida política brasileira, “as coisas e as pessoas só têm valor pelo mal que podem causar, e não pelo bem que possam ocasionar”. (Assassinato de Reputações, Tuma Jr, pág. 385)

Muitos que chegam ao poder, ou que se aproximam dele com más intenções, ficam ricos em um piscar de olhos, conseguindo estabelecer excepcional condição para várias gerações dos seus descendentes. Ao mesmo tempo, multidões de pobres e miseráveis, na sua maioria de pouca ou nenhuma instrução, se deixam comprar pelos governos da hora com as suas benesses populistas, bolsas e auxílios, cotas e programas exclusivistas, chegando ao ponto de desqualificar o mérito de eventuais intenções honestas.

A classe média empreendedora pena para sustentar a parte mais expressiva do custo social, depositando impostos aviltantes em nome de um Estado acostumado a dar menos do que nos tira. O bem que vem do governo é limitado; o mal, pode ser “infinito”. Não vivemos em paz com os focos da maldade ao nosso redor.

Compete-nos lutar contra eles até a vitória do bem. Porém, poucos de nós se dispõem a ser atores ativos no processo eleitoral. Somos, no máximo, apoiadores daqueles que têm coragem para concorrer aos cargos representativos. E quantos desses realmente merecem o nosso apoio? Como selecionar bons representantes num ambiente historicamente ocupado pelos que buscam atender principalmente os interesses próprios? Como renovar legislaturas ancorados em princípios relevantes? Alterações no “sistema” só podem ser feitas pelo legislativo, e votar bem é essencial, mas é dos próprios partidos políticos que vêm os arranjos inconfessáveis para manter fora os bons cidadãos. Como evoluir para o voto distrital? Como extinguir a reeleição? Como estabelecer um processo de “dês-eleição”, cassando parlamentares bizarros? Nossas escolhas serão cobradas.

É mais fácil ser bom do que justo, e quando abrimos as portas das cadeias, a humanidade não fica melhor, ela piora, e os índices de criminalidade aumentam nos fatídicos “saidões das cadeias”, quando nos recolhemos ao lar trancando bem portas e janelas. É pungente ver a relativização da moral com tantas declarações de efeito negativo: “Não seja tão exigente com ele, o cara rouba, mas faz”; “Quando muitos cometem um crime, não haverá crime, basta mudar a lei”; Qual é o problema de furtarem um celular? Isso é só pra ganhar uns trocados”; “Eu fiz, gostei, e faço de novo, estou nem aí”; e… “Eles roubavam porque podia, mas agora não pode mais”.

O verdadeiro “inimigo interno” são os viciados nas drogas incuráveis e os traficantes; os defensores do relativismo moral; os corruptos encastoados nos três poderes; os partidários do abrandamento do intolerável; e a turminha do politicamente correto, onde tudo isso gravita. Descascando o verniz político dessas criações, lá está o mal ainda não tocado pelo bem.

Estamos chegando ao fundo do poço, no momento em que o mal já se mostra livre, leve e solto pelas ruas, zombando e caçoando do bem impunemente, sendo cada vez mais cortejado, aplaudido e festejado pelas multidões. Mas, tanto o bem quanto o mal têm gradação. Embora devêssemos escolher sempre o bem, um mal menor é sempre melhor do que um mal pior. O que tem mais valor num mundo onde as pessoas estão preferindo a paz, o progresso e a verdade? O primado da geopolítica ou a sabedoria? O amor ao próximo? O materialismo ou a espiritualidade? Haja, pois, suficiente cuidado em nós, cada dia, porquanto o bem ou o mal, tendo sido semeados, crescerão junto de nós, de conformidade com as Leis que regem a vida. Mas, lembrem-se que não é certo deixar o mal viver no meio do bem (Animação Rei Leão, da Disney).

Não há quem não tenha o seu lado obscuro da personalidade, por menor que seja. Por isso, é bom sermos mais condescendentes com o próximo, porque não sabemos como responderemos ao ser chamados à prova. Se o mal demanda tempo para fixar-se, a restauração do bem não acontece de forma instantânea. Assim ocorre com a doença e a saúde, e com o desvio e o restabelecimento do equilíbrio. O bem é o bem; o mal é o mal, e não é recomendável fazer concessões temporárias a um pequeno mal esperando alcançar algum bem logo à frente. Todo aquele que opera no bem pode esperar o melhor. Isto não é promessa, é da “Lei”. Quando eu faço o bem, fico bem. Quando faço o mal, eu fico mal. Simples assim. Façamos o bem enquanto é tempo, exercendo o nosso papel da forma certa antes de querer ensiná-lo a outrem. No final, lá longe, bem no finalzinho, o bem há de vencer. (WF)

* Doutor em Inteligência Empresarial pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003); graduado em 1974 pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), ex-Comandante do 63 Batalhão de Infantaria (Florianópolis/SC, 1996-1998). Egresso do Centro Hemisférico de Estudos de Defesa, em Washington/DC, (CHDS); diplomado em Gestão de Recursos de Defesa pela Escola Superior de Guerra; ex-Diretor do Departamento de Defesa e Segurança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo/FIESP (2012-2020); e ex-Secretário de Planejamento Estratégico da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2019). Autor de três obras publicadas sobre Inteligência, uma delas na Argentina.

 

Por 'Reminiscências' em 23/08/2022
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